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terça-feira

Por um triz, relatos de uma sobrevivente cabeça dura


Quinta feira, onze de março. Dia ensolarado. Uma manhã produtiva e alegre no trabalho. Tudo andava bem, “muito bem, até demais”....

E Sofia, personagem já conhecida por vocês, saiu pela primeira vez para almoçar com sua nova chefe.

Meio dia e quarenta. Andavam pela calçada ampla da Rua Pinheiros.

Como sempre, Sofia sorria, afinal essa é sua marca: sorrir de alegria, sorrir de vergonha, sorrir para conquistar pessoas, sorrir de constrangimento, sorrir de nervoso.

E em meio a um sorriso distraído – Cabuuuuummmmmm. Sofia foi nocauteada e se estatelou na calçada ao lado de sua chefe. Coisa inexplicável. O tempo parou e parecia que tudo mudaria a partir daquele instante.

De queixo caído (no sentido metafórico) me levantei, não desmaiei. Olhei ao meu redor e eis o que vi: uma estrutura de metal gigante, com cerca de 3 metros e meio de altura havia me atingido, atingido em cheio o lado direito da minha CABEÇA, a tampa direita de meu ser. Mas eu estava lúcida.

(Para vocês entenderem: o objeto caiu feito uma árvore desabando ao ser cortada. Madeira!!!!!!!!!!! – Exatamente naquele movimento... e no meio do caminho: PUF - minha cabeça).

Aos poucos as pessoas me cercavam, vários colegas de trabalho, que também saiam para almoçar, se aproximavam.

Aquele gigantesco e pesado ferro era parte de um trilho de uma porta de correr de uma concessionária da Ford na Rua Pinheiros. Pé direito alto, porta gigante, trilho gigante. Pedreiros distraídos. Estes tiveram descaso total em relação ao acidente.

O que passou por minha cabeça nocauteada naquele momento: acidente na cabeça é perigoso, ai meu Deus! (não sei qual Deus...).

Estou ouvindo, estou em pé, estou lendo, estou preocupada, ufffaaa.

Estou aqui. Estou. Que estranho, não sinto muitas dores. Este ferro gigante me atingiu e não sinto muitas dores....

Qual hospital?

Ligue para minha mãe, por favor, porque ela está na região, não está no trabalho. Plano Amil.

Não lembro o número. Ah, talvez 22.

Sempre ao meu lado minha chefe e Mariana, uma colega da nova equipe.

Em pouco tempo estávamos sentadas ao redor de uma mesa dentro da concessionária.

Eu via um homem preocupado falando e gesticulando, achava o tempo inteiro que ele era uma espécie de gerente do local...Mais tarde descobri que ele era um delegado, viu o acidente e estava lá me defendendo, tirou foto do meu braço, das marcas do acidente.

Muito obrigada, delegado Abreu.

Minutos depois estávamos em um carro zero da concessionária rumo ao hospital: eu, minha chefe e Mariana. Rumo ao Hospital Oswaldo Cruz. As três preocupadas e brancas... cabeça não é brincadeira...

Relembrei depois que o lado direito do cérebro é aquele lado lindo que carrega nossa criatividade, o lado artístico, o pensamento simbólico...

Neste percurso eu tinha uma sensação ambígua de preocupação e felicidade.

Ao mesmo tempo em que temia ser algo sério, me surpreendia com meus sentidos presentes e com meu senso de humor.

Soltei algumas frases no percurso ao hospital:

- Se tudo correr bem, é sinal de que realmente eu sou uma ariana cabeça dura;
- Ai, espero que depois desta pancada eu fique mais inteligente;
- Será que Tico e Teco estão bem?
- Ô moço (me dirigindo ao funcionário da Ford), depois vou querer um carro novo...
- Não sei como chegar ao Hospital, mas ao Shopping Paulista eu sei. (hehe)

Ao mesmo tempo:

- Se eu sair dessa, é como nascer de novo.
- Novo aniversário: 11 de março.
- Será que está tudo bem? O galo tá grande....está enorme.
- Estou lendo e entendendo tudo.
- Acho que não quebrou nada.

Chegamos ao hospital, e graças a minhas companheiras de trabalho não tive que me preocupar com nenhuma questão burocrática.

Logo foram tirando minha pressão.

- Moça, a sua pressão está alta.
- Geralmente ela é baixa.
- 16 por 8.

(Não fiquei impressionada, não entendo de pressão, esses números não significaram nada para mim....). E já fui levada a uma sala reservada do Pronto Socorro.

Em pouco tempo apareceram minha irmã e minha mãe e a partir daí não vi mais minha chefe e Mariana, pelo limite de pessoas permitido na “minha” repartição do Pronto Socorro....

Altas emoções, mas eu estava bem e falante, o que trouxe alívios para a família. Minutos depois, chegou meu pai.

Na minha repartição particular do Pronto Socorro, ligações que não paravam. O celular cantava Chico (meu toque de celular) e a expressão viga de metal assustava o imaginário dos meus amados familiares. Todos achavam que algo da obra de metrô havia caído sobre mim. Horror generalizado, mas ao escutarem minha voz se acalmavam...

Minha maior aflição, para além da dor no pescoço e do galo gigante (que pela primeira vez forneceu ondas a um cabelo tão escorrido), era o tempo de espera para fazer os tais exames na cabeça. Demorou..

E eu estava faminta, afinal tudo começou com um ronco na barriga. Que me fez levantar até ser nocauteada no percurso entre o trabalho e o restaurante a quilo. Fui orientada a não comer no pós acidente. Doutores, enfermeiras e enfermeiros apareciam e sumiam, muito simpáticos. Ninguém acreditava no ocorrido. Nem eu. Eu temia dormir e me esforçava para não ficar sonolenta.

Depois de uma longa demora, um enfermeiro me levou em uma cadeira de rodas para os exames na cabeça. Instalada no maquinário específico, fiquei cantando baixinho para não dormir (estava realmente com medo de dormir) e não sei por quais motivos cantava a seguinte canção, sem palavras, só com um sussurrar:

Frère Jacques, Frère Jacques,
Dormez-vous, Dormez-vous,
Sonnez les matines ! Sonnez les matines !
Ding ! Daing ! Dong ! Ding ! Daing ! Dong !

Saí do maquinário e encarei os olhos do médico que assistia minha cabeça em uma telinha. Naquele momento fiquei em paz e senti um primeiro alívio. Não trocamos palavras.

Entramos no elevador para voltarmos a minha repartição do pronto socorro: eu, o enfermeiro e minha mãe. E... acreditemmmm... Puf. A luz acabou. O elevador parou... Nós três fechados na mais completa escuridão. E falei :

- O que está acontecendo, não é possível... Mais essa.

Mas relaxei... era muita coisa em um dia só. Depois de uns cinco minutos fomos resgatados por funcionários do hospital. Enquanto estávamos lá, minha mãe conseguiu falar com meu pai por celular e ele, mesmo achando ser uma piada, procurou socorro.

De volta a minha repartição particular, deitei. Ficamos a tarde esperando por respostas.

O primeiro doutor, que não era neurologista apareceu com boas notícias. Minha cabeça estava normal, sem lesões, só esperariam o parecer do especialista que jájá chegaria.... Soro... E finalmente chegou o neuro, no final da tarde. Parecer final : cabeça totalmente normal, sem cortes, sem lesões, pescoço normal, cervical sem problemas. Fez algumas perguntas, testes com os meus movimentos... E tudo normal.... Ufa. Santa cabeça dura. Minha carapaça que me defendeu deste terremoto particular.

Saindo do hospital e com o alívio em relação ao estado da cabeça, o corpo apresentou suas primeiras dores. Ai meu pescoço, ai meu tornozelo, ai meu braço.. Torções da queda.

E foi assim, no 11 de março virei do avesso. Apesar do choque, o alívio é realmente maior. Há uma felicidade imensa de ter encontrado sorte no azar. Poderia ter sido muito pior e não foi. Tem gente que diz que meu anjo da guarda estava lá. Eu acho que ele teve dois momentos de cochilo, mas voltou segundos depois com a força toda. O que importa é que estou aqui para contar a história. Porque a vida é amiga da arte e amiga da sorte...

Um amigo meu me disse para eu andar por aí com um capacete de aço. Afinal nunca se sabe...

(São Paulo, 13 de março de 2010)

**Destaco a necessidade que tive de postar este relato que é espontâneo e muito bem descritivo.

***E deixo claro que o choque e a deveras preocupação se fizeram presentes.

Parabéns Sofia cabeça dura!